Historia da vida da Nha Balila!
Nosagenda esteve com Isidora Semedo Correia mais conhecida como Nha Balila, num incrível momento em que comprovámos o quão especial esta senhora é. Nascida a 12 de Dezembro de 1929, tem uma memória incrível, sobre detalhes da vivência criola, experiência de sobrevivência a eventos culturais e sociais que marcam a história de Cabo Verde; até à actualidade mantém-se uma personalidade atenta e ativa na opinião pública, por isso diz-se que é um "arquivo histórico pensante". É invisual, mas o facto não a limitou na prática e amor por uma das expressões artísticas mais marcantes e profundas da identidade caboverdiana: o Batuku. Considerada por muitos uma rainha do Batuku, sempre escreveu as suas letras, acreditanto desde sempre no poder das palavras, é uma pessoa muito comunicativa.
Tem dois álbuns editados, teve um grupo de Batuku chamado Bali Pena, conhecida também por fazer Finason em modo freestyle, nos últimos anos tem feito participações em músicas de artistas do cenário jovem de Cabo Verde, sendo uma referência para muitos jovens pela expressão "Dentu di alguen ki e alguen". É uma figura carismática no seu bairro de residência, Tira-Chapéu, na cidade da Praia (Santiago) onde existe uma biblioteca com o seu nome "Biblioteca Nha Balila" e um graffiti numa rua com o seu rosto. Homenageando assim em vida, o seu trajecto na área de intervenção social e serviço comunitário, que contribui para o desenvolvimento cívico e cultural na ilha de Santiago; também comprovado pelos vários diplomas que possui.
Sabemos que a sua ligação com o Batuku vem da infância. Como foi o seu crescimento e com quem aprendeu a fazer Batuku?
Nasci e cresci na Serra di Malagueta, (Santa Catarina, Santiago) numa vida com actividades de campo, durante anos não soube o que era uma vila ou cidade. Desde todos os cuidados com os animais e plantações; subir e descer montanhas, carregar água numa lata na cabeça, apanhar lenha na txada... Tantas coisas; preparar a comida que não variava muito de tentenren, pastel, camoca, cuscuz, tocinho, batata, feijão com xeren, mandioca com bode ou massa com galinha... Não sabíamos o que era arroz e nu ka konxe fatiota (guloseimas) por isso é que sempre digo que hoje sou:
Runha sima rocha
Rijo sima ferro
Fundo sima mar
Pesado sima barco
Alto sima céu
Hoje também:
Nha Balila ta entendi e ta puxa ku cabesa
Ta studa ku memoria
Ta screbi ku ideia
Ta lê ku curason
Isto devido aos problemas de visão. Com 10 anos o meu pai levou-me para a escola, e logo na primeira semana de aulas o professor colocou-me na rua, dizendo que sem vista eu não podia aprender e lá estar. Chorei muito; e acabei por ficar a trabalhar com a minha mãe, que já era batukadeira. Fazia tudo com a minha mãe, e para aonde ela ia fazer Batuku eu ia também. E as pessoas iam dizendo que eu era inteligente e fui ganhando motivação para aprender e fazer. E com 16 anos já percorria toda a Serra Malagueta a fazer Batuku. Nessa altura um tio meu, viu-me a dançar ku torno e disse "Balila bu bali pena propi" e por isso o meu grupo de Batukadeiras passou a chamar-se Bali Pena.
Aos 20 anos fui para Angola, devido à Fome de 47, portanto 1947, 48 e 49 houve uma grande fome, e em 1950 fui procurar outras condições, estive lá 3 anos, depois fui para as roças em São Tomé, e lá encontrei o meu (falecido) marido, casámos e fomos viver juntos em Cabo Verde. Cuidou de mim e foi através dele e graças a Deus, que me tornei uma mulher conhecida. Há uma data marcante, no dia 5 de julho de 2005, na Praça da Alegria (Praia) em que me foi dado a palavra, e foi transmitido em vários países.
Trabalhei em dois CD's, um com Zé di Sucupira e outro com Zé Orlando da Editora Sons D'Africa.
Daí surgiu o "dentu di alguen ki e alguen", que na verdade foi uma expressão que surgiu de um episódio da minha infância, em que perguntei ao meu pai, o porquê de duas crianças estarem a brigar mas pararem assim que os pais chegaram. Eu via e havia muito respeito. E então logo nessa altura, ainda criança, fiz aquela música. Mas só vários anos depois pude gravar.
Houve uma altura que a igreja católica proibiu o Batuku (antes da independência), e num dia dessa altura uma irmã minha ia casar, estava a família reunida e um catequista, a quem eu perguntei se podia fazer um pouco de Batuku. Ele disse que não, porque assim o padre não daria a benção aos noivos. Mas eu insisti para ser só uma música, que não era pecado. E na verdade acabámos por batucar até o dia seguinte amanhecer; a minha irmã foi para a igreja e o catequista não disse nada ao padre. Correu tudo normalmente e nós depois da cerimónia só batucámos de Assomada até Serra Malagueta. Depois disso fui chamada para tocar em vários sítios e eventos.
O que o Batuku significa para si?
O Batuku para mim é a melhor tradição do mundo. Anima-me, consola-me... Si n'sta tristi n'ta bira algre. Si n'sta ku fomi n'bira fartu (Se estou triste, alegra-me. Se estou com fome, sacia-me).
Vale lembrar que existe um Batuku "antigo e novo", há diferenças nos detalhes da indumentária e acessórios utilizados, por exemplo, também ligados à liberdade de expressão.
Quando foi dada a Independência de Cabo Verde, é que pude fazer livremente as minhas músicas. Porque eu já era militante do PAIGC portanto opositora do Estado Português, e via a minha arte sofrer repressão por isso.
O processo de liberdade não foi nada fácil, muitos perderam a vida, foram presos... Graças a Deus sobrevivi. E fiz logo uma canção para celebrar, que fala da vitória e de Amílcar Cabral.
Amílcar Cabral a bô é midjor fidju di nos tera, é bô Cabral
Oh povo, o colonialismo é que matou Cabral
Com essa música fui escolhida para receber a Cimeira de presidentes dos países PALOP em Cabo Verde, mais que uma vez.
O que significa a Independência para si?
Significa um Cabo Verde que está de pé, sakédu. Cabo Verde desenvolveu muito depois da Independência.
A minha maior preocupação é com os jovens que não tem tido um bom comportamento na nossa sociedade, com os assaltos, violência etc... Mas tenho esperança que vamos melhorar em todos os aspectos.
Se pudesse ensinar Batuku a uma criança o que diria para aprenderem?
Amarrava o pano; ensinava tocar a txabeta, como funciona a pergunta e resposta do Finason... Há também formas de colocar a voz que dão dicas para direcionar o grupo. Ensinaria como sentir os ritmos e acompanhar com os dizeres. Principalmente ensinar o respeito de antes. E transmitir os valores da nossa cultura.
E como foi no tempo de Nácia Gomi, Nha Mita Pereira, Nha Bibinha Cabral...? Costumavam encontrar-se em rodas de Batuku, certo?
Sim, principalmente com a Nácia, porque criámos juntas, vivíamos perto uma da outra, as nossas mães eram amigas. A Nácia era mais de Finason, não de batucar e dançar.
Vivemos momentos muito bons.
E continuo a viver. Hoje tenho uma casa graças a Deus e à amizade do povo. Há muitas pessoas a quem sou grata, têm me ajudado muito.
Entrevistada por:
Elga de Pina Fernandes
Redigido por:
Janeth Tavares
Interview 15-02-2020
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Mayra Andrade
Interview 31-01-2020
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Elsa Delgado
Interview 07-05-2019
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Suzy Almada
Interview 30-06-2019
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Soundproviders
Interview 29-06-2019
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Elga de Pina Fernandes
Interview 07-05-2019
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